terça-feira, 26 de junho de 2012

O Castelo de Supplice

A escuridão tomava conta da pequena aldeia de supplice, a única luz vinha da fogueira em torno da qual todos dançavam. O clima festivo se dava pela boa colheita obtida aquele ano, o vinho era servido em abundância e a comida era farta.
Entre uma dança e outra, ouviu-se o som de um sino tocado ao longe, vindo do alto de um morro onde quase imperceptível jazia um castelo. A feição de todos se tornava mais tensa a cada nova badalada, todos correram, fecharam as portas e se esconderam aonde era possível; ao longe se ouviu um grito seguido de um rosnado ameaçador, então o silêncio e o som do mastigar de um animal. Quando o dia amanheceu fez-se a contagem dos sobreviventes, a família do morto estava desconsolada, mas sabia que nada era capaz de mudar o que havia acontecido. Hamilton, um jovem inglês que estava no local a passeio, tentou entender o que se passava e porque não havia uma reunião de homens corajosos para ir a caça do animal. Um dos anciãos contou-lhe que por vários anos tentaram e nenhum homem voltou com vida das expedições, até que um dia, quando a aldeia estava quase dizimada, o estranho morador do castelo acabou domesticando o animal. As vezes ele escapava e era isto que acontecia, mas desde então as mortes eram muito poucas e conformar-se com a própria sorte era o que de melhor se podia fazer. O animal sempre sabia quem era a vitima da vez e não havia porta capaz de detê-lo.
Hamilton não concordava, pois de onde vinha os problemas exigiam solução e por isto mesmo decidiu-se por ir até o castelo enfrentar tal criatura e libertar o povoado. O ancião alertou-lhe que não seria uma boa ideia, mas ele não deu ouvidos e seguiu.
O sol estava alto no céu quando ele chegou aos grandes portões da propriedade, um dos lados estava caído o que deixava livre a passagem de quem ali chegasse. Pensou que era natural que o animal escapasse com tamanho descuido, tentou observar pelas janelas para dentro do castelo que mais parecia uma ruína sem vida, mas nada pôde enxergar. Puxou as pesadas argolas de ferro que estavam penduradas na porta e soltou-as. O barulho do ferro batendo na madeira foi seguido por um latido forte e pela voz de um homem que pedia calma ao animal.
- Perdoe-me a demora, meu cão estava um pouco agitado e precisei conte-lo. Diga-me! Em que posso ajuda-lo?
- Sou Hamilton, comerciante inglês, estava na aldeia ontem a noite.
- Imagino que não tenha sido uma experiência agradável.
- Não, e vim aqui para libertar aquele povo.
- Você não sabe o que diz, vamos, pare com esta besteira enquanto ainda está vivo.
- Um animal não pode fazer o que bem entender, e se você não pode conte-lo darei um jeito eu mesmo.
- Ninguém pode conte-lo, nem mesmo eu. O ódio só o torna mais forte e é por isto que o mantenho aqui o máximo possível, pois nem eu nem ele encontramos motivos para ódio isolados aqui.
- Não entendo.
- Todas as expedições falharam porque não o entendiam, eram compostas por homens cheios de ódio em seus corações, ele os sente e se alimenta deles. Sua força que já é gigantesca aumenta mais toda vez que sente o ódio em alguém. Então o encontrei na mata, não o conhecia, não sabia de seus atos, apenas cuidei de algumas feridas e ele passou a me seguir, desde então parou de atacar o povoado. Demorou muito até eu perceber que nenhum muro poderia conte-lo, então guardei minhas lembranças em um baú velho, pois percebi que ele ficava mais agitado conforme eu me exaltava pelos sentimentos que aquilo trazia e que ter as lembranças à mão era uma maneira de liberta-lo. Notei que ele só sai quando sente que há alguém tomado de ódio nas redondezas, Então pus um sino no castelo, para avisar aos moradores quando ele sai daqui, muito embora não haja nada que possa ser feito.
- Eu o farei - bradou Hamilton - onde ele esta?

Então o animal pulou por detrás da escada que levava ao segundo piso, o senhor do castelo tentava acalma-lo enquanto o ódio nos olhos de Hamilton era substituído pelo medo, num descuido, o homem se desvencilhou e correu o quanto pode, até desaparecer daquelas terras. O animal, em parte contido pelo seu bem feitor, em parte por não suportar a presença do medo desistiu de atacar o viajante.
Por todo lugar onde passava, Hamilton contava a história da feroz criatura que vivia escondida em um castelo e se alimentava do ódio das pessoas, um ser tão terrível que não podia ser contido, somente respeitado, pois na presença de um sentimento tão destrutivo ele se libertava e tornava-se ele mesmo a destruição.

by Arthur Lingard

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A flor


O tribunal estava lotado, todos com caras de ódio observando àquela que tinha cometido tão grave crime.
A promotoria se esforçava em demonstrar a gravidade do ato cometido e a defesa em explicar que o ilícito era apenas uma tentativa de imprimir o lúdico a pessoas tão desprovidas de beleza em seu dia a dia.
As senhoras mais exaltadas ressaltavam a importância de uma punição severa que demonstrasse que tal atitude jamais seria tolerada naquela cidade, seria uma maneira de mostrar a todos que por ali passassem, que ali era um local onde a família era respeitada e que qualquer um que tentasse repetir aquela condenável atitude teria o mesmo destino.
Testemunhas detalhavam enfaticamente o ocorrido e tentavam demonstrar o quanto aquilo era inescrupuloso e que a ré não demonstrava o menor remorso pelo crime cometido. Ela por sua vez parecia estar em outro planeta observando a arquitetura do lugar, hora assustada, hora achando engraçado a ênfase na fala daquelas pessoas.
Então o juiz chamou a criminosa ao banco das testemunhas para dar a sua declaração, o advogado de defesa protestou, mas foi inevitável.
O promotor logo perguntou o porquê de tal ato e a garota respondeu que todos pareciam tão sérios e bravos naquela cidade, que ela pensou que pintar uma flor na calçada talvez arrancasse alguns sorrisos e melhorasse a vida dos que ali viviam. Uma mulher se levantou e disse que pichações não eram aceitas por ali e que este tipo de ato devia ser enfaticamente reprimido, pois mesmo que por um motivo nobre, não reprimi-lo seria automaticamente dar um recado a outros pichadores de que poderiam se safar.
A garota então disse que não esperava que todos se irritassem daquela maneira e que se seu desenho era tão ofensivo ela mesma o limparia. Ela ainda citou que havia se mudado recentemente, mas achava que as pessoas daquele lugar precisavam de mais amor pois estavam o tempo todo preocupadas com a aparência de suas casas e se esqueciam de dar valor as pessoas, que são a única coisa que realmente importa. Terminado de dizer isto ela deu uma rosa ao promotor e um beijo em sua bochecha, pediu desculpas e prometeu não mais repetir sua atitude tão desprezível.
O juiz se emocionou com o depoimento e decidiu inocentar a garota de 3 anos que tinha cometido o grave crime de pintar uma flor na calçada com seu giz de cera e por tal motivo irritado os habitantes daquela pequena cidade ao sul da Califórnia.