segunda-feira, 30 de abril de 2012

Conto Curitibano

A poesia exalava de meus dedos e eu estava no ônibus, como sempre! A cidade era bela, onde houvesse tristeza ali havia uma flor e até onde há guerra ali também há a paz.
Nesta cidade vejo muitos estilos, de tudo um pouco, eu deveria ter dito.
Aqui sempre há um sol, mesmo que fraco para que em nenhuma estação falte um pouco de brilho. Aqui também há chuva, em qualquer lugar, pra que nunca se tenha tanta sede que não se possa saciar.
O frio, pra quem gosta de arrepios e o outono silencioso, pro vento poder escutar.
Nela não se mora, se tem um lar ... geometricamente ela é toda "regular", mas pensou também em todos os momentos que a vida podia causar!
Posto silencio e inquietude, fale apenas se quiser falar e o seu silencio falará pra você bem alto e apenas o vento virá conversar, embora ele também saiba passar morto se assim o desejar.
E se quiseres as árvores também sabem falar.
A Europa brasileira se considera meio alheia mas a música continua.
O clima ao que se der, cabe só a você permanecer de pé.
Sinto muito se encerro aqui o conto, é que acabei de chegar no meu ponto.

Meueu

Naquela enorme biblioteca silenciosa e vazia se encontrava Meueu em mais um dia de trabalho tão vazio quanto a biblioteca e a sua alma. Organizava antigos livros de ocultismo quando derrubou um pesado volume no chão. Parou por um instante a observar o fato com alguma preocupação, em todos estes anos de trabalho nunca derrubara um único livro. Desceu as escadas em que estava e abaixou em direção ao livro no chão. Na página aberta estava escrito em letras grandes “Quem é você? O que está fazendo aqui?”. Meueu levantou os olhos e mirou a extensa biblioteca sem um único pensamento na cabeça. Baixou os olhos novamente e leu na seqüência um começo de texto que dizia: ”Quem não se conhece não é capaz de enxergar a realidade, vive sob a ilusão e mareia seus olhos pelo vazio de significado em que sofre sua alma”.
Meueu carregou o volume aberto com as duas mãos e colocou-o em uma mesa próxima da varanda a qual dirigiu-se e de onde olhou o horizonte detidamente por algum tempo. Logo que os pensamentos lhe voltaram pensou, “eu vejo a realidade”, e voltou para dentro para continuar seu trabalho.
Ao passar pela mesa viu que ao lado de seu livro estava seu insuportável colega de trabalho, que ao ver o desgosto no rosto de Meueu expressou com ironia :
- Veja se não é o Grande Meueu saindo da toca! Já se cansou dos ratos que acompanham sua laia e consomem sua vida? Será que é chegada a hora do grande superior se misturar com o povo,ou ainda não está pronto para ver que não é tão superior assim?!
Meueu levantou os olhos e tomou seu livro pela mão, fechando-o sem interesse levou-o de volta à estante. Desgostoso por encontrar Tirano resolveu ir até a cozinha tomar um café, lá encontrou Raíze comendo bolachas e lembrou-se que não comia nada à muitas horas e seu estomago roncou. Ao ver os olhos compridos de Meueu  sobre o que comia Raíze tomou do saco de bolachas e ofereceu um pouco a ele. Meueu pegou o pacote e começou a comer, mas o sabor lhe agradava tanto e tinha a barriga tão vazia que acabou devorando todo o pacote sem dar-se conta de que não o dividira com a dona. Raíze que se deteve observando-o durante o devorar de suas bolachas olhou-o no fundo dos olhos como se expusesse o do âmago da terra e disse:
- Meueu , a gula de sua mente degluti a verdade de sua existência com tal avidez que tu não és capaz de ver a tempo o que está inserindo em sua alma. A impulsão de sua gula é tamanha que és capaz de expelir uma pedra filosofal que tenha ingerido sem apropriar-se de um único dom dela, sem nutrir-se de suas verdades tal qual se valor não tivesse. Perde seus verdadeiros presentes pelas falhas de tua mente.
Novamente enraivecido pela interação com as pessoas, afastou-se rapidamente dali. Porém, como as palavras dela não lhe fugiam a memória perguntava-se o que seria a tal da pedra filosofal, dirigiu-se a procurar num índice enciclopédico, acabando com um volume na mão em que lia sobre a pedra tão almejada pelos alquimistas para transformar qualquer metal em ouro. Enquanto lia sentiu sutilmente que alguém se aproximava, levantou os olhos e viu alguém que não conhecia olhando pra ele com espanto e dizendo em alarma:
-Meueu aquele que pergunta adentra a maldição de buscar a resposta e perder a inocência, padecer dos desígnios da consciência. Sem saber reverter o caminho do conhecer afoga-se no mar das descobertas que calam a possibilidade de não serem mais vistas.
Ao concluir as palavras saiu por um corredor. Atordoado Meueu procurou seguir-lo, mas viu-se no centro da biblioteca, sobre um símbolo da rosa dos ventos que havia no chão. Olhou para a esquerda e espantado quase perdeu o som da fala. Aquele que seguira, agora era visto como um espelho, o qual ele apontou e vendo-se disse, quase sem voz, “meu eu!”. Olhou para o lado oposto onde estava Tirano, o mesmo se passou e ele disse “meu eu!”. Virou seu rosto para frente, Raíze saía da cozinha,viu de novo seu reflexo e repetiu: “meu eu!”. Com o coração acelerado virou-se para trás e viu o caminho da porta de entrada, por onde passara todos os dias por tantos anos. Saiu para a rua e viu o mundo pela primeira vez. 

Um conto de Raquel Kucker Martins

domingo, 29 de abril de 2012

Amanda


As estações passam e modificam a vista aos amantes da natureza, mas naquele palacete no batel, a vista era belíssima a qualquer dia do ano. Porém algo estava errado, uma jovem, cansada das desilusões da vida, da rotina, das coisas que fazia e das que deixava de fazer.
Amanda era belíssima, beirava os dezenove anos, tinha tudo que uma garota da sua idade poderia querer, mas algo lhe faltava e naquela tarde, ela estava debruçada no parapeito da enorme sacada de seu quarto com ar de fatigada, parecia uma bela pintura a quem olhava-a de fora. Observava as belas árvores de seu quintal, sem folhas nesta época do ano, imaginando que tipo de sentimento era aquele que tomava conta dela, que ausência estranha lhe corroia por dentro e fazia imaginar o porque de estar ali parada.
Tinha amigas apenas na vizinhança e as saídas ao shopping já não preenchiam mais seu tempo como antes. Amanda queria algo novo, queria um pouco de vida, a vida que não tinha, a vida que via além dos grandes portões da propriedade em que morava, estampada nos rostos das pessoas que passavam na rua, a vida que via nos filmes e novelas da TV, ao invés disto, estava lá, entediada, presa em sua masmorra pessoal sem saber nem mesmo que tipos de sentimentos passavam em seu coração.
A noite reservava um jantar de gala, “mais um jantar enfadonho onde verei as mesmas pessoas dizendo as mesmas coisas de sempre”, inventou uma indisposição e decidiu ficar em casa, já ia se arrumando para dormir quando ouviu uma freada seguida de um estrondo. Foi a sacada observar e viu um veículo todo amassado contra um poste em frente ao palacete, caminhou até o portão mais por curiosidade, já que havia muitas pessoas atendendo o rapaz que parecia não ter se ferido. Ficou ali, observando aquela cena diferente à seu dia e começou a conversar com algumas pessoas,  jovens se preparando para ir a um bar ali perto, que pararam para ver se ninguém havia se ferido. E foi assim, despretensiosamente que a moça que viu uma amiga em Amanda, a convidou para acompanha-los.
A jovem se arrumou depressa e foi de carona no carro da mais nova amiga, não era seu costume sair e tão pouco seus pais permitiriam, mas eles não estavam em casa e ela precisava de um pouco de adrenalina. No bar, a moça se divertiu, sorriu, foi cortejada e chegou a beijar um rapaz, mas tão pouco era aquilo que lhe interessava e logo ela voltou para pista dançar. Permaneceram no local por algumas horas e depois decidiram ir a outro lugar.
Quando já retornavam o carro foi parado por policiais que averiguavam a documentação enquanto Amanda desceu por um momento, nunca tinha visto uma abordagem policial de perto e achou interessante todo aparato utilizado naquela blitz. No carro ao lado, sentado no capo estava um jovem que chamou a atenção dela, ela era uma moça tímida, mas resolveu se aproximar e puxar conversa enquanto aguardavam o termino da averiguação. Trocaram telefones e seguiram cada um seu caminho.
A jovem que dirigia resolveu comprar cigarros e qual foi à surpresa de Amanda ao ver aquele jovem parado no mesmo posto. Enquanto a amiga esperava na fila da loja de conveniências, ela voltou a conversar com o rapaz que aguardava o frentista abastecer.  O dia já começava a amanhecer quando ela chegou em casa, ficou surpresa ao não ver seus pais que chegaram logo depois.
O rapaz ligou no dia seguinte, e no outro, e no outro, até que decidiram finalmente sair. Ela não tinha grandes esperanças de um romance, queria apenas que o momento em que estivesse com ele fosse bom, mas algo tinha mudado dentro dela, uma só noite lhe mostrou que ela poderia fazer diferente e se tornar senhora de sua vida e que a decisão por fazer algo tinha mexido com ela. Amanda já não sentia mais o vazio que tanto a incomodava, agora era apenas ansiedade, mas uma ansiedade boa de não saber o que esta por vir, mas de saber que finalmente, alguma coisa mudou. Também percebeu que cada escolha daquele dia, mesmo as que pareciam tão insignificantes, tinha contribuído para tornar aquela noite única e para lhe mostrar que havia outro caminho, com outras pessoas e que ela seria mais feliz, se ela se permitisse viver.

sábado, 28 de abril de 2012

A parede torta!

Em 1980 um famoso médico americano foi trabalhar em um vilarejo ao sul da Prússia. Ele queria ajudar algumas pessoas em uma terra isolada e carente de recursos da medicina, queria também ensinar um pouco do que sabia e aquele lugar formado de pessoas simples parecia o ideal.
Hank acordava às quatro da manhã, quando todos ainda estavam dormindo e fazia silencioso a caminhada até o consultório que ficava no outro lado da vila. Fazia sempre o mesmo caminho e sempre andava sozinho. A cabeça do médico estava o tempo todo nas consultas a realizar e nas possíveis curas de pacientes que o tinham como ultima esperança, pensava também que ainda não tinha conseguido ensinar nada a ninguém e já estava ali há dois meses.
Foi um tropeção que mudou seu destino, uma pedra qualquer mal posicionada, Hank nem chegou a cair, mas voltou a realidade. Percebeu que tinha que prestar mais atenção ao caminho e acabou por notar a beleza e simplicidade das construções daquele lugar, todas sem muros nem cercas inspirando liberdade e mostrando a confiança daqueles cidadãos em seu próprio povo.
Havia uma bela casa, tinha ares de ter pertencido a alguma família grande, a madeira estava um pouco envelhecida e a tinta já sentia os efeitos da exposição constante ao sol. Na parede da sacada havia um quadro com uma foto em preto e branco emoldurada de uma bela mulher que aparentava seus vinte anos.
O fato é que Hank era metódico, aquele quadro estava torto e ele desviou seu caminho para consertar a posição. Subiu devagar os três degraus da entrada, a madeira já desacostumada a visitas rangeu quando ele pisou sobre ela. O médico pôs o quadro no lugar e seguiu seu caminho.
Chegou ao consultório satisfeito com a façanha que havia realizado. Quando passava em direção a sua casa para almoçar, percebeu o quadro novamente torto e novamente arrumou a posição do quadro, na volta ao consultório a cena inusitada se repetiu e na volta para casa a mesma coisa. Hank era insistente e todos os dias arrumava a posição do quadro nas quatro ocasiões em que passava por ele, até que decidiu descobrir quem deixava aquele quadro torto. Arrumou a posição do quadro e ficou a espreita, um casal passava pelo local percebeu o quadro simetricamente bem ajustado e o rapaz logo alterou a posição para que ficasse torto. E assim se seguiu o dia todo, o Dr. arrumava o quadro, se escondia e o primeiro que passava percebia e “arrumava” para que ficasse novamente torto. A certa altura decidiu perguntar a alguém se não achava estranho o quadro estar torto e a única resposta que recebeu foi a de que não era o quadro que estava torto e sim a parede. Aquilo o intrigava cada vez mais, não adiantava arrumar o quadro e não adiantava perguntar por que o quadro estava torto, pois aquela cidade parecia simplesmente não ver isto. A resposta de todos era de que a parede é quem estava torta.
Hank voltou a se dedicar as suas atividades no hospital, sem deixar de arrumar o quadro toda vez que passava por ele, achava que um dia as pessoas perceberiam que a parede estava perfeita e que o correto era ajusta-lo simetricamente a ela.
Havia uma idosa na fila para se consultar, não estava tão mal, apenas tinha idade avançada e ele receitou alguns remédios a ela, na hora de sair ela se voltou para ele e disse:
- É o Sr. quem tem deixado o quadro torto, não é?
- Pelo contrário, eu tenho arrumado a posição dele, mas já que a senhora mencionou, poderia me explicar o porquê de todos acharem que a parede esta torta?
-Claro, mas a história é comprida.
- Tenho tempo.
- Lembro como se fosse ontem, naquela época não era fácil ter uma fotografia, não era como estas máquinas modernas com estes filmes que é só revelar, era caro e precisava de um fotografo e algumas horas parada na mesma posição. Ivana era uma moça bonita e muito cobiçada, Dimitri a conquistou com seus versos e construiu aquela casa com a ajuda de seus irmãos, morava pouca gente por aqui. Ele era tão apaixonado que quando o fotógrafo chegou ao vilarejo ele vendeu algumas joias que eram herança de seus pais e usou tudo para ter uma foto dela, algum tempo depois nasceu Ivanovski e quando a felicidade do casal parecia completa quis Deus que ela adoecesse e de súbito partisse deste mundo. Dimitri ficou muito entristecido e pendurou a foto na sacada onde costumava ficar admirando-a, ele costumava dizer a quem perguntasse que uma obra de arte como aquela merecia ser admirada por todos e por isto não seria justo pendura-la na sala. O garoto crescia indiferente a dor do pai, era pequeno demais quando a mãe morreu. Dimitri sempre reclamava quando ele jogava bola em frente de casa, pois poderia acertar o quadro, mas o garoto achava que não havia gol melhor que as vigas daquela sacada. Acontece que o garoto sabia como dobrar o pai e um dia enquanto ele escrevia, Ivanovski e um colega jogavam bola usando a sacada como gol, o garoto errou o chute e acertou próximo ao quadro que entortou com o impacto. Dimitri saiu irritado aos berros dizendo que já tinha avisado que ali não era lugar, mas o garoto disse que não estava jogando bola e quando ele indagou sobre o porquê de o quadro estar torto o garoto respondeu: “Não é o quadro que está torto, é a parede que está. Quando o senhor estava lá dentro estava certinho, mas agora que esta na porta desequilibrou o peso sobre a casa e ela entortou fazendo parecer que o quadro está torto, quando na verdade foi a parede que entortou”. O senhor consegue imaginar um garoto de seis anos criando uma história dessas do nada?
- Bem criativo mesmo, mas isto fez a cidade toda manter a história do garoto?
- Claro que não Sr Hank, acontece que o garoto cresceu e se tornou um dos jovens mais importantes da região, ajudava com tudo que podia, se alguém tinha dúvidas na escola ele fazia uma aula de reforço, se faltava mão de obra na colheita ele estava lá, se alguém precisava construir podia contar com ele e ele nunca pedia nada em troca. Só que veio a guerra e Ivanovski não voltou, a tristeza foi de todos, Dimitri entortou o quadro e contou a história no velório do garoto. Quando ele morreu há dez anos a casa ficou vazia, mas os habitantes do vilarejo ajudaram a conserva-la bem cuidada e mantiveram a tradição em memória a três pessoas tão fantásticas que fizeram parte da nossa história.
Hank estava emocionado, nunca mais mexeu com o quadro e passou a entender a fixação daquele lugar, percebeu que algumas coisas parecem erradas àqueles que utilizam o prisma errado e que tentara mudar a cultura de um povo ao invés de entendê-la e se adequar a ela. No fim, percebeu que a parede estava torta simplesmente porque o vilarejo queria que estivesse e que se ele achava que não estava era ele o insano.
Foram mais quatro meses de trabalho e ele iria voltar à Nova York em duas semanas, seu substituto veio conhecer o lugar e quando o acompanhava percebeu aquela casa que destoava das demais.
- Esta casa é mais antiga que as outras.
- Verdade.
- Estranho ninguém arrumar a posição daquele quadro, não consigo observa-lo assim sem me incomodar.
- Mike, sinto lhe dizer, mas não é o quadro que está torto, é a parede que está!

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Cabral-Portão 18:30

Paulo pegou o Cabral-Portão às 18:30 lotado como sempre, ele se perguntou como tinha um lugar vago a direita do cobrador, se sentou, estava sem mp3 e sem nada para ler então ficou lá, olhando para fora esperando chegar ao Cabral. Enquanto esperava ele viu o motorista resmungando, ficou ali analisando aquele senhor nos seus cinquenta e tantos anos com um bonezinho de pelo menos dez e uma aparência terna e carinhosa, mas ele resmungava.
Não era seu feitio se meter na vida dos outros, mas foi quase automático quando ele perguntou ao motorista:
- E ai meu velho, o que ta te incomodando?
- Nossa cara, eu não sou de me irritar mas tem um piá que ta me tirando do sério, você acredita que o moleque me espera todo dia e quando eu vou passar pelo semáforo ele aperta o botão do pedestre e passa bem devagar na minha frente e fica rindo da minha cara.
- Mas que bobagem. A quanto tempo ele vem fazendo isto?
- 3 semanas, 3 semanas, 3 SE-MA-NAS!
- É, acho que poderia me irritar também.

Foi exatamente neste momento que ele viu o garoto, devia ter uns 10 ou 11 anos e puxava um carrinho de carregar papelão, ele estava lá, esperando o sinal. Faltando uma quadra e meia ele apertou o botão, o sinal fechou e ele começou a sorrir e passar lentamente na frente do ônibus mas desta vez o motorista desceu, o piá não sabia o que fazer, tinha medo do motorista mas tinha medo de perder o carrinho. Ele ficou parado até o motorista começar a sacudi-lo pelos ombros dizendo:
- E agora moleque? Agora tu vai tomar uns cascudos, porque vem fazendo isso hein? Porque decidiu me incomodar? Fala pirralho, antes que eu te esfole.
Foi então que o menino começou a falar e o motorista a mudar de feição:
- Desculpa tio, mas eu passo por aqui à meses e nesses meses todos sempre que eu passo, eu vejo aquela menina lá – o motorista olhou para a sacada que o menino apontava e nela estava uma menina também nos seus dez, onze anos nervosa e preocupada vendo o que estava acontecendo, mas o que mais o impressionou foi que a guria estava numa cadeira de rodas, então voltou seu olhar para o guri  e continuou - e ela nunca ri, só fica lá parada e desde que eu comecei a incomodar o senhor  ela sempre ri e eu não sei porque, mas eu gosto quando ela ri.
Ele largou o guri e entrou no ônibus, dirigiu até o Cabral e lá Paulo desceu, sem perguntar nada pois quando correu pra janela ele viu e ouviu tudo que aconteceu.
Mas no dia seguinte ele passou o dia esperando chegar as 18:30 e quando chegou, ficou lá esperando pra ver e foi como ele imaginou, o guri estava lá, parou o ônibus e ficou rindo do motorista que colocou a cabeça pra fora da janela e o ameaçou, o xingou e olhou pra menina da sacada rindo e voltou pra dentro do ônibus sorrindo, Paulo também sorriu.

domingo, 22 de abril de 2012

A morte de Ana



O suor lhe escorria o rosto, a faca ainda estava em suas mãos. Ali parado, olhado o corpo dela desfalecido, sentindo o rosto respingado de sangue, o ódio que minutos antes tomava conta dele foi aos poucos sendo substituído pela noção exata do que fizera. Andava em círculos com as mãos junto a cabeça imaginando o que fazer, tentando entender onde perdera o controle para chegar aquele ponto.
Ana e Luiz se conheceram numa festa, ficaram juntos e de tanto ficarem estabeleceram um relacionamento, ela sempre falava do tamanho do seu amor por ele e só ao lado dela ele se sentia feliz e completo. Quando ela começou a se afastar dizia apenas que os afazeres diários estavam ocupando seu tempo mas que ainda o amava como antes. Ele havia se afastado dos amigos e da família e sua vida agora girava em torno dela e cada noite que passava em casa era um martírio de sofrimentos onde acordado tentava encontra-la na cama. Ela, quando o recebia dizia estar cansada para o amor. Numa noite, cansado de estar só, Luiz foi até a casa dela, ele sabia onde a chave estava e a porta era silenciosa. Entrou com cuidado por pensar que ela estava dormindo as duas da manhã. Ouviu alguns barulhos, ela estava nua, entregue sobre o corpo de um estranho no tapete da sala.
Ele saiu da mesma maneira que entrou, possuído pela raiva, sem rumo pelas ruas com um olhar de dar medo a quem o visse. Em sua casa, ligou para ela e disse que queria vê-la, ela disse que estava cansada, ficara até tarde preparando trabalhos de faculdade e não queria vê-lo pois não seria boa companhia. Ele insistiu mas ela não permitiu.
Durante alguns dias ele fingiu não saber e ela permaneceu mentindo, então, ela precisou de ajuda e veio a sua casa, dormiram juntos e então ela disse sobre o favor que precisava. A semana fora ótima e ele quase esqueceu o que tinha visto, então ele terminou o que ela lhe pediu e a ausência voltou a acontecer. Parado em frente a casa dela percebeu quem era o homem que a visitava. No outro dia foi conversar com ele fingindo não saber e em meio a conversas ele contou que estava namorando uma linda mulher que estava saindo de um relacionamento conturbado com um rapaz que nunca amara, disse que ela ainda não tinha conseguido terminar definitivamente com ele mas já não dormiam juntos a quase um ano.
Luiz não conseguiu aceitar, aquelas palavras ardiam a seus ouvidos, foi a casa de Ana e ela relutou em recebê-lo pedindo que fosse embora. Ele insistiu na conversa, ela disse que o amava e ele disse que sabia de tudo, ao invés de admitir ela permaneceu mentindo dizendo que estava decepcionada com ele por não acreditar no que ela dizia. Quando não havia mais como negar, ela gritava dizendo que ele tinha invadido a privacidade dela entrando em sua casa sem o seu consentimento, ele gritava palavrões e ela deu as costas para ele dizendo que a conversa estava terminada e que iria fazer o seu jantar. Luiz a seguiu e ela admitiu a verdade zombando dele, ele a segurou pelo pescoço, ela pegou a faca que estava em cima da pia, ele tomou a faca dela e antes que pensasse no que estava fazendo Ana já estava no chão esfaqueada se esvaindo em sangue.
Sem saber o que fazer, Luiz fugiu, mas a culpa o alcançou antes que alguém soubesse o que tinha acontecido, com as roupas ainda sujas de sangue foi ao morro mais alto que encontrou, teve medo, teve receio, mas não conseguiria viver num mundo sem ela, num mundo sem amor, num mundo em que ele fosse responsável por tirar uma vida. Foi então seu próprio juiz e se atirou da montanha. Há coisas que não tem perdão, há atitudes que não há como voltar e ele sabia disto. Enquanto caia ele pensava nela, pensava em si e entendia que fora uma atitude covarde mata-la e mais covarde ainda se atirar daquela maneira, entendeu então que não era um homem e sim um garoto e percebeu que não tivera coragem nem mesmo de enfrentar as consequências dos seus atos.

Autor: Arthur Lingard

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Quem um dia irá dizer que não existe razão ...




Ela já havia sido tocada antes mas não com aquela intensidade, as mãos dele sobre seu corpo produziam mais que excitação, era um sentir que provinha de seu interior. Seus beijos a deixavam vulnerável, seu toque a tomava por inteiro e ela faria o que ele desejasse naquele momento. Ele gostava do que via em seus olhos, do descontrole que seu corpo demonstrava. Há tempos ela o desejava porém ele não permitia sua aproximação, não demonstrava interesse. Se viam todos os dias no trabalho, ele a ganhava com o olhar, ela o conquistava no sorriso e ambos evitavam dar o passo decisivo que desnudasse a aparência de formalidade com que dirigiam-se um ao outro e tornasse claro o desejo que os consumia. Enquanto ele tirava suas roupas com a urgência que os casais sentem quando queimam de desejo, ela entregue tentava imaginar porque tentará esconder de si própria por tanto tempo o quanto o queria. “Que deliciosa coincidência o trouxe aqui hoje” pensava ela. A boca dele em seu corpo a enlouquecia, fora tanto tempo imaginando como seriam aqueles beijos. Se cruzaram durante semanas desde que ele foi transferido ao setor dela mas jamais teriam arriscado algo a mais se naquele sábado ela não tivesse decidido caminhar.
Morava perto a um parque arborizado e era sempre prazeroso estar naquele lugar, a vida que acontecia, a liberdade, o ar. Sentou-se a beira da trilha no gramado observando as pessoas e saboreando cada pequena coisa que acontecia, tudo era tão interessante, fazia seus pensamentos voarem longe. Era um dia como qualquer outro em que ela voltaria para casa sozinha. O sol da manhã ofuscava sua visão, ele vinha em sentido contrário com o sol as costas e pode observa-la bem antes de se aproximar. Precisou colocar suas mãos a frente dela para que ela observasse o rosto daquele intruso que insistia em permanecer no caminho. Era costume dela andar de cabeça baixa, se sentia constrangida em olhar para o rosto das pessoas, em vez disto, preferia observar impessoalmente a todos apenas o necessário para desviar deles, gostava de ser uma anônima na multidão. Mas o intruso estava ali e por mais que ela tentasse desviar ele novamente trancava a passagem, ela não pode conter o sorriso quando percebeu quem estava a sua frente. O brilho em seus olhos fez o rapaz se sentir constrangido e cumprimenta-la apenas comum “oi”, ela imediatamente tentou puxar assunto, mostrar que estava feliz em estar ali sem mostrar seu real desejo mas desejou que ele ficasse o máximo possível a seu lado. Ele era mais bonito com aquelas roupas que provavelmente estavam em cima na pilha do armário do que com a vestimenta formal que ela estava habituada a vê-lo. Ele tentou se despedir, imaginando ser inconveniente prolongar a conversa. Ela não permitiu, ao invés disto tomada de toda coragem que conseguiu juntar o convidou para um almoço e antevendo que ele pudesse dizer não por questões financeiras complementou o convite dizendo que tinha preparado algo especial antes de sair de casa mas que comeria sozinha e que seria bom ter companhia naquele dia.
O vinho lhes permitia arriscar mais nas palavras e a proximidade dos rostos e dos corpos diminuía a todo instante, ele tocou seu rosto esperando um sinal, ela retribuiu com uma caricia velada em sua bochecha, esperava o beijo. Ele pode perceber quando ela molhou os lábios discretamente e se aproximou com calma, ela abaixou as mãos como quem autoriza a entrada a um visitante, ele tocou seus lábios devagar desbravando-os com cuidado, ela pôs as mãos na nuca dele e ele a tomou com toda vontade que guardará por tanto tempo cada vez que ela passava por ele. Ela estava ainda mais linda com o rosto corado e o corpo entregue. Ele a despiu, a tocou, a beijou e a penetrou, tinha intensidade, tinha vontade, ela não era uma mulher comum, despertava nele um desejo intenso e foi assim que ele a possuiu por várias vezes durante aquele dia.
Naquela segunda-feira, mal sabiam como agir, ele tentava interpretar o olhar dela e ela tentava interpretar o sorriso dele, não houve quem não notasse que havia algo diferente ali. Talvez fosse o principio de um romance, talvez não, certeza só havia que o acontecido seria inesquecível e que provavelmente se repetiria novamente, talvez no Sábado, talvez na Sexta, ou talvez naquela mesma Segunda-feira.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Quem não sabe rezar?

Me deparei com este conto em um blog e achei muito bom.
Original: http://ocaminhodeumperegrino.blogspot.com.br/2012/03/quem-nao-sabe-rezar.html

Na cidade de Berditchev, vivia o grande rabino Levi Yitzchak. Segundo o costume local, em Yom Kipur o Rabi Levi Ytzchak seria o chazan (condutor da reza) em Mussaf. No grande dia, toda a comunidade de Berditchev estava reunida na sinagoga e, depois de toda a noite rezando, e de manhã, todos esperavam o tão respeitado rabino.

Chegada a hora, ele não assumiu a sua habitual posição de chazan na reza de Mussaf. As pessoas começaram a ficar impacientes. O tempo passa e o Rabi ali, de olhos fechados e sem se mover. Todos estavam ficando nervosos, afinal já haviam rezado muito e estavam sem comer há tantas horas. De repente o Rabino levanta-se e declara:

- Agora estou pronto para ser o chazan. Esperei até agora, porque tinha um judeu muito simples entre nós que não sabe rezar, nem ler. Então, ele disse para D'us: 'Eu não sei nem rezar nem ler, mas uma coisa eu sei: o alfabeto hebraico. Então irei repeti-lo várias vezes e Você, D'us, junte as letras do jeito que quiser.' Eu estava esperando D'us juntar as letras”.
Autor : Rabino Daniel Segal

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Madrugada




É madrugada, ele acorda com aquela sensação estranha, os pensamentos a mil e sem um pingo de sono. Ele sabe que deve dormir pois durante o dia não poderá. Fato é que por algum motivo aquela manhã tinha ares propícios a reflexão.
Os dias haviam passado rapidamente e ele já não sabia dizer com certeza se estava bem consigo mesmo. Sentado na janela com uma xícara de café em mãos parecia que tudo estava prestes a mudar para melhor, era aquela sensação corriqueira inerente aos poucos momentos de tranquilidade que a vida moderna lhe permitia ter.
O sol nasceu e ele permanecia ali, inerte apenas a observar as coisas como aconteciam, o movimento dos carros aumentando, o barulho das motocicletas, as pessoas que andavam apressadamente, era a vida de uma cidade. Pensou em quantas histórias passavam em frente a sua janela, cada um com sua família, sua vida, seus problemas e suas conquistas. Entendeu que tudo estava interligado mesmo que aparentemente tão desconexo.
Tomou um longo e demorado banho ainda com aquele ar de reflexão, decidiu que faria tudo diferente neste dia, que só por hoje ia fingir que não haviam compromissos, estava com tempo, podia se dar ao luxo de um ritmo mais lento de preparação.
Pela primeira vez em anos não se sentiu irritado com a demora do elevador e até foi recompensado pelo perfume da bela morena que chegou dentro dele, “de que andar será que ela é?” pensou, “pouco importa, é mais uma história que não vou conhecer”. A vida segue e a rua esta com um ar leve e fresco que só uma manhã pode proporcionar, o trabalho é repetitivo, assim como as piadas do colega da mesa ao lado sempre achando que decorar uma frase de um livro e repeti-la enfaticamente é expressar opinião própria. “Como os dias passam rápido”, pensou.
A noite o caminho é mais escuro e as ruas se enchem de mulheres oferecendo seus corpos, esta noite um pensamento diferente veio a sua cabeça, teve medo de vê-la entre elas, não que pensasse nisto mas percebeu que talvez algumas daquelas moças tivessem mais dignidade que ela. Já estava se tornando praxe acreditar que estava livre e num rápido lampejo seus pensamentos retornarem a ela.
“Como mudar uma vida que não caminha mantendo-se dentro do limiar da rotina?” andar é algo que sempre ajuda, “vou a farmácia, cinco minutos a menos em casa” atravessou a praça e caminhou por dentro do estabelecimento, não procurava nada, nem carregava dinheiro consigo, apenas queria ver alguém, sentir algo diferente, ele precisava se apaixonar. “a moça da sessão de tintas sorriu pra mim” ela ficou mais alguns instantes escolhendo a cor nova do cabelo e foi ao caixa, ele, não falou com ela, apenas continuou seu caminho pra casa, observando e saboreando a vida da cidade. “E agora? O jeito é voltar para o computador e pra mais uma madrugada em que talvez eu durma, talvez não”.
O porteiro sempre leva um tempo a abrir a porta, “assobio pra ele perceber que estou aqui? Ele me viu”. Passando pela portaria um boa noite quase mecânico pra um porteiro que ele não sabe o nome, “o elevador já esta aqui, pelo menos não preciso esperar”, ele nem ao menos sabe porque se importa tanto em ter ou não que esperar o elevador pra chegar em casa e fazer nada.
A porta do elevador se abre e a luz do corredor se acende sozinha, “mais um dia, ou, menos um dia” girou a chave na porta, abriu as janelas para arejar a sala, e logo ligou o computador. Já não havia mais ânimo para as conversas, menos ainda para fazer piadas ou comentários. Atualizou alguns jogos por puro costume, “quando eu vou perceber que não aguento mais jogar esta merda?”
Estava mais cansado que de costume, encostou a cabeça no travesseiro e percebeu que tudo ainda estava como antes, seu coração estava cansado e sua esperança era cada dia menor, lembrou de coisas que haviam acontecido e quis dormir, quis não acordar, mas para sua tristeza sabia que amanhã seria outro dia e que ele teria que levantar!